Os gastos do Tesouro Nacional caíram em 2024. Ao mesmo tempo, as contas públicas continuaram no vermelho e dívida bruta do governo cresceu. Uma série de despesas obrigatórias contratadas para o futuro tornam o cenário mais turvo à frente e deixam os investidores com o pé atrás sobre a sustentabilidade da política fiscal do governo Lula.
“O grande problema não é só o agora, mas também o futuro. Cerca de 95% do Orçamento está comprometido com despesas obrigatórias. Esse aumento vai ser constante, enquanto a arrecadação tende a desacelerar, com a economia mais fraca. Essa conta não fecha ao longo do tempo”, explica o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.
Entenda abaixo em 7 gráficos o que vem acontecendo com a política fiscal do governo Lula. Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.
Gastos caíram, mas futuro preocupa
As despesas do governo federal caíram sob duas óticas em 2024. Como proporção do PIB, a redução foi de 19,5% para 18,7%. Já em termos reais, descontada a inflação, a queda foi de 0,7% sobre o ano anterior.
Há, contudo, distorções nos números que já vêm desde 2022 e que precisam ser contextualizados, explica João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria.
“Os últimos anos foram marcados por uma série de ocorrências extraordinárias e que dificultam a análise. Não é que houve maquiagem de dados, mas é preciso notar que há um impacto formidável anterior e que precisa ser contextualizado para que possamos tirar conclusões razoáveis sobre a atual situação fiscal”, explicou.
A confusão começou com o calote dos precatórios (dívidas judiciais da União) em 2022, no governo Bolsonaro – o que reduziu artificialmente a despesa daquele ano, que ficou em 18% do PIB.
Em 2023, a despesa saltou para 19,5% do PIB, incluindo o pagamento desse calote (cerca de R$ 90 bilhões), mas também o aumento de despesas contratado pelo governo Lula com a chamada “PEC da Transição”, que ampliou o valor do Bolsa Família para R$ 600, além de outros gastos.
Em 2024, tendo como referência essa base elevada do ano anterior, houve a queda da despesa para 18,7% do PIB. O crescimento mais forte da economia e o chamado “deflator do PIB” (inflação embutida no PIB, que ajuda a diluir os gastos na estatística) também contribuíram para a queda.
O fenômeno também é visto quando os gastos são comparados em termos reais, ou seja, descontada a inflação. Em 2024, houve queda de 0,7% nas despesas, em relação ao ano anterior, mas sobre uma base de comparação extremamente elevada, já que 2023 contou com o pagamento dos precatórios herdados de 2022.
Além disso, economistas apontam outro problema. O governo antecipou para 2023 o pagamento de R$ 32 bilhões em precatórios que deveriam ser pagos em 2024, além de outros R$ 9 bilhões em compensação aos Estados por perdas com ICMS.
“As tentativas que ocorreram de limpar o número de 2024 às custas de piorar o de 2023 fazem parte da tentativa do governo de entregar resultados que não são reais. O ideal é considerar que em dois anos tivemos déficit de 2,5% do PIB, o que é muito alto”, afirmou Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Contas no vermelho, dívida em alta
Ainda que o Tesouro tenha registrado queda dos gastos, seja em proporção ao PIB, seja em termos reais, em 2024, as contas do governo continuaram no vermelho.
Em 2024, houve déficit primário de 0,4% do PIB, segundo dados do Banco Central. Ou seja, descontando os gastos com juros, a arrecadação do governo não foi suficiente para cobrir as despesas. Esse número incorpora a ajuda dada pelo governo federal ao Rio Grande do Sul, mas também leva em conta receitas que são consideradas atípicas.
Já o déficit nominal, que inclui as despesas com juros, foi muito maior – de 8,45% do PIB.
Nesse caso, conta o aumento da inflação, que obrigou o Banco Central a elevar a Selic, influenciando a taxa de juros futura, além da própria desconfiança do mercado com a política fiscal do governo, que aumentou o custo para o Tesouro rolar a sua dívida.
Com o aumento do déficit, a dívida bruta do governo subiu 4,4 pontos no mandato do presidente Lula. Houve um salto de 71,7%, em dezembro de 2022 para 76,1%, em dezembro de 2024.
O número só não foi maior porque, em dezembro o Banco Central vendeu reservas cambiais para conter a disparada do dólar. Isso provoca também o efeito indireto de reduzir a dívida.
“O resultado de dezembro ficou quase 2 pontos abaixo da divulgação de novembro. Isso foi possível por conta do maior leilão de reservas da história do Banco Central, que impulsionou o resgate líquido de dívida e sobrepôs as pressões altistas”, explicou Leme.
O endividamento bruto do governo é um dos principais indicadores analisados por investidores ao olhar para os países. No caso do Brasil, a dívida está acima da média de outros países emergentes.
“A gente tem um custo de carregamento da dívida muito elevado, e a gente não apresenta nenhum plano crível e consistente para ajudar a cortar despesas”, diz Agostini. “Cumprir uma meta dentro de um déficit significa que a sua relação dívida/PIB continua crescendo”, complementa.
Gastos contratados à frente
Economistas de bancos e consultorias calculam que o governo terá dificuldade para manter os gastos sob controle, porque já há despesas contratadas para os próximos anos.
“A pesquisa Datafolha desta semana vai aumentar ainda mais o risco de o governo não seguir com o mínimo de ajuste que se precisa”, pontuou Vale.
Por isso, tem crescido a visão de que o próximo presidente, que tomará posse em 2027, precisará apresentar novas medidas estruturantes para reduzir despesas para além do pacote fiscal aprovado no final do ano passado.
Veja abaixo pressões previstas à frente:
Indexação do salário mínimo – Gasto crescerá sempre atrelado ao crescimento do PIB, com impacto sobre os gastos do INSS e também do BPC. O governo estabeleceu um teto de crescimento de 2,5% ao ano acima da inflação nessa despesa; mas, ainda assim, economistas apontam que a regra é insustentável, já que os aposentados e pensionistas estão fora do mercado de trabalho e receberão aumento sem a contrapartida de crescer a produtividade.
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais – O governo terá de aportar R$ 8 bilhões no fundo criado pela reforma tributária. Esse valor, como mostrou o Estadão, ainda não foi incorporado ao Orçamento deste ano. O valor subirá até atingir R$ 32 bilhões por ano em 2028 e 2029.
Precatórios – Parte dos gastos com precatórios foi excluída das regras fiscais, por determinação do Supremo Tribunal Federal. Para este ano, serão R$ 43 bilhões que não serão contabilizados no limite de 2,5% de alta das despesas determinada pelo novo arcabouço fiscal.
A partir de 2027, porém, esse gasto precisará se enquadrar na regra.
Fundeb – A parcela de complementação da União com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) continuará subindo até 2026. Para este ano, o aporte será R$ 10 bilhões a mais, chegando a R$ 56 bilhões, com outro aumento para chegar a R$ 65 bilhões no ano seguinte.
Isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil – O governo federal prometeu enviar ao Congresso este ano o projeto que isenta de Imposto de Renda as pessoas físicas com renda de mensal de até R$ 5 mil.
Embora o governo diga que o texto só será aprovado com compensações, como a tributação dos super-ricos, o temor é de que o Congresso aprove apenas a benesse (que deve gerar uma perda de receita de R$ 35 bilhões por ano), sem a contrapartida.
Estadão
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